quinta-feira, julho 31, 2003

FALA DOUTOR!

Quando eu trabalhava como estagiário em uma empresa construtora achava engraçado quando o mestre de obras se dirigia a mim com um alto “Fala Doutor!”. Ele era muito simpático e conversávamos bastante. Aprendi bastante com ele. Acho que se o conhecesse hoje, não o deixaria se referir a mim desse jeito.

Hoje preparei uma carta que deveria ser dirigida a um engenheiro. Comecei:

Ilmo. Sr. Dr. Fulano de Tal...

Ilustríssimo? Senhor? Doutor?

É... Na verdade, uma outra carta já havia sido encaminhada a esta mesma pessoa e tinha sido preparada pelo Jurídico. Como já havíamos tratado meu nobre colega engenheiro desta forma, resolvi manter o tratamento. Dei risada, mas mantive os tais pronomes. Mais tarde, fui obrigado imprimir outras vias e descartar aquelas, porque meu chefe se recusou a assinar uma carta daquele jeito.

Muito bem. Pontos para ele.

É engraçado como certas coisas arcaicas são mantidas. De onde veio a necessidade de destacar pessoas como ilustríssimas, excelentíssimas ou qualquer outra coisa parecida? Os senhores ilustríssimos seriam melhores que os outros?

Que costume é esse de tratar os outros como doutores? Advogados e juízes costumam fazer questão de um tratamento diferenciado. Deprimente, simplesmente deprimente... Que mundo é esse em que eles vivem? Será que não percebem que essa postura é patética?

O mundo artificial da formalidade excessiva.

Participo freqüentemente do como jurado em um júri popular. É impressionante como os promotores e advogados de defesa gastam grande parte de seu tempo disponível para a bajulação barata. Por que se faz tanta questão de um tratamento desse? Um tratamento que vem carregado de falsidade ou, pelo menos, desprovido de qualquer significado real.

Será que se sentem melhor? Será que isso vem de uma necessidade de auto-afirmação? Deve acontecer algo semelhante com o assaltante. Ele tripudia em cima de sua vítima só para mostrar que tem poder. Ele a intimida. Na verdade, porém, sente falta de alguma coisa. Convive com um espaço vazio dentro do peito.

Seriam, os Ilustríssimos Senhores Doutores, vazios?

Nada contra advogados ou juízes. Tudo contra essa postura arcaica e preconceituosa. Parece que esse meio jurídico tem muito disso (em outros meios também há esse tipo de coisa, mas na área de direito isso parece ser mais marcante). Por que será? Percebe-se claramente que se trata de algo que não evoluiu com o tempo. Um apego a tradições?

Não me espanto ao ver a posição dos magistrados que querem privilégios. O mundo deles é outro. A justiça é cega? Não vê o contexto à sua volta? Tudo bem... A justiça em si não deve ser cega, talvez só os juízes.

Será que eles vão despertar algum dia dessa ilusão de que estão desconectados do resto da sociedade? Quem sabe se eles não acordam se começarmos a nos negar a tratá-los como doutores? De duas uma: ou eles se tocam e param de usar esse pronomes de tratamento tão impróprios ou eles passam a tratar qualquer um da mesma forma.

Imaginem como pediriam um sanduíche ao atendente de uma lanchonete:
"Prezado Sr. Dr. Ciclano, teria a gentileza de providenciar um sanduíche recheado de presunto e queijo?"

Não sou contra o uso do “advocatês”. Afinal, termos técnicos existem em qualquer área. Eu mesmo falo “engenheirês”. No entanto, alguns excessos do “advocatês” deveriam ser banidos em nome do bom senso. Parece que falam em latim, uma língua morta.

E aí Doutor?

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