quinta-feira, fevereiro 03, 2005

DIVULGAR PARA SALVAR




Quantos já não se irritaram ao receber aquele religioso na porta de casa tentando convertê-lo para a sua religião? Que coisa mais chata! Será que não percebem o quanto são inconvenientes?

Não. Acho que não percebem. E digo mais: fazem isso pensando no bem daquelas pessoas que procura convencer. Afinal, não é uma bela atitude? Considerando que acreditam que o único caminho da salvação é a prática de sua religião, nada mais lógico do que o proselitismo. Julgam agir como bombeiros que entram num prédio em chamas para resgatar sobreviventes.

Obviamente, não acredito que haja um único caminho para salvação, se é que é correto usar esse termo "salvação". Mesmo que houvesse, a tentativa de convencimento seria, na maioria das vezes, inútil e, também, uma afronta à nossa liberdade de acreditarmos no que quisermos.

Vivo em um meio espírita e muitos dizem que os espíritas não fazem proselitismo. Não é verdade! Basta conhecer o trabalho da Campanha Auta de Souza, que, do ponto de vista social, pode ser muito legal, mas que é proselitista sim. As pessoas batem à porta da casa das pessoas (como aquelas pessoas a quem me referi no início do texto) pedindo doação de alimentos e "divulgam" o espiritismo. Nem sei qual é o objetivo principal da campanha. Arrecadação de alimentos ou divulgação do espiritismo?

Mesmo assim, há quem diga que isso só acontece no trabalho da Campanha Auta de Souza. Talvez seja verdade, mas de uma maneira geral, apesar da velha e batida frase "Fora da Caridade Não Há Salvação", os espíritas acabam agindo como se o único caminho para a evolução (que pode ser entendida como salvação) fosse o espiritismo. E não acredito que seja verdade. Muito do que nos é apresentado pela doutrina espírita já vem sendo discutido em outros fóruns e locais. Haja vista que espíritos existem e a comunicação com os mortos faz parte da natureza. Seria muita pretensão acreditar que só quem tem acesso à Verdade são os que acabam conhecendo os livros codificados por Kardec. As idéias espíritas não precisam, necessariamente, do rótulo de espiritismo. Também não precisam estar vinculadas à idéia de religião, pelo menos, da forma como a maioria entende.

Li um artigo muito interessante de Luiz Signates, jornalista e professor universitário, no GEAE (Grupo de Estudos Avançados Espíritas), apresentando a idéia de Comunicação Social Espírita em contraponto à Divulgação do Espiritismo. Se puderem leiam os boletins números 278, 286 e 289 do GEAE. Segundo Signates, na maioria das vezes os espíritas não estabelecem um diálogo, mas sim um monólogo. Agimos como se fôssemos salvadores, sendo os únicos donos da verdade. Tentamos convencer as pessoas que estamos com a razão. Sem contar as vezes que dizemos "coitado... ainda não é evoluído o bastante... é por isso que não é espírita e ainda professa religiões compatíveis com seu nível evolutivo".

Luiz Signates cita exemplo desse tipo de postura, ao propor o seguinte:

"Separe uma amostragem: os artigos espíritas que versem sobre assuntos científicos, isto é, sobre a relação entre "Espiritismo" (o eu ou a identidade espírita) e "ciência" (o "não eu", o outro ou a alteridade, em contraposição metodológica ao Espiritismo). Identifique e classifique os posicionamentos. Sugiro um critério: verifique quais se posicionam no tipo relação "o eu tem prioridade em relação ao outro" e os no tipo "o outro tem prioridade em relação ao eu", que, no caso, podem ser expressos como "Ciência confirma o que o Espiritismo já sabia" (prioridade do eu) e como "Ciência modifica, altera ou acrescenta ao que o Espiritismo pensava" (prioridade do outro)".

Conclusão: o discurso espírita tem sido uma pregação.

A idéia da Comunicação Social Espírita, que ele propõe, como o próprio nome já diz, visa a comunicação e não a mera informação. A comunicação considera a relação entre pessoas. Não privilegiaria o monólogo. Como afirma Signates, "o movimento informativo prioriza a estrutura e busca adaptar as pessoas a ela. O processo comunicativo prioriza as pessoas e coloca as estruturas a seu serviço". A estrutura a que ele se refere pode ser entendida nesse caso como a própria doutrina espírita.

Cito o movimento espírita como exemplo, mas considero esse raciocínio válido para tudo. Anteontem respondi o comentário do Carlos Bella no post "Renovação". Como lhe disse, já andei lendo artigos apresentados pela STR (Sociedade da Terra Redonda), movimento cético. É outro exemplo de tentativa de convencimento que ocorre exatamente da mesma forma. Parece que tentam mostrar que estão certos com a mesma motivação daqueles crentes que batem à porta de nossas casas. Será?

Quando é que vamos aproveitar a diversidade de pensamentos para crescer, ao invés de apenas querermos provar a nossa verdade?


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