terça-feira, novembro 12, 2002

PROGRAMA DE ÍNDIO

Hoje fui convidado a participar de um programa de índio. Acredito que muitos já foram convidados a ir a àqueles programas agradáveis como ir ao casamento da filha da massagista da mãe da esposa (conhecida também como sogra). Ou então passar um dia divertido num piquenique naquele dia chuvoso em companhia daquela pessoa simpática que fica o dia inteiro reclamando.

Pois é, o programa de índio para o qual fui convidado é diferente. Tem índios... É isso mesmo, numa aldeia, daquelas cheias de índios, com direito a cacique, arcos e flechas. Que legal! Visitar uma aldeia índigena! Pois é... As primeiras coisas que nos vêm à cabeça são aquelas imagens que vemos em documentários na televisão ou nas páginas dos livros escolares. Acontece que já fui quatro vezes a uma aldeia indígena no município de Marabá no estado do Pará. Uma experiência e tanto sem dúvida, mas com o tempo percebi de onde veio a expressão Programa de Índio.

Estava ansioso para visitar a aldeia pela primeira vez há alguns meses atrás. Logo que cheguei a aldeia não me decepcionei. Os índios estavam dançando em agradecimento à colheita de milho que eles haviam realizado. O cacique comandava o ritual. Índios pintados, alguns de bermuda e camiseta, é verdade, mas pintados... Alguns tocavam instrumentos típicos que não saberia descrever. Dançavam na clareira que se localiza no centro de um círculo formado pelas suas casas que ficavam de frente para o local do evento. Casas... É isso mesmo. Alguém pensou que os índios moravam em ocas?

Afinal, o que eu estava fazendo na Terra Índigena? A empresa em que trabalho está implantando uma linha de transmissão de energia que passa pelas proximidades desta Terra Índigena. Atendendo à legislação ambiental, tivemos que ouvir os índios para verificar e tratar de possíveis impactos que a linha poderia causar junto à população índigena. O impacto cogitado seria a indução à invasão às suas terras, por isso era necessário um Plano de Monitoramento e Proteção da Terra Indígena. A linha não passa tão perto da área indígena e a área em volta já está devastada, mas tudo bem...

Aí é que começa o que estou considerando extremamante interessante: a conversa com os índios. Bom, apesar de, de vez em quando, utilizarem seu próprio dialeto, eles falam português. Chegamos para a reunião em meio a uma outra clareira no meio do mato. Os índios nos aguardavam fabricando suas flechas. É bom ficar claro que não pretendiam atirar na gente, estavam apenas se preparando para a caça. Interessantíssimo...

Começou a conversa. Percebi que os índios são organizados em torno de suas lideranças. Muito mais organizados do que moradores de um condomínio, por exemplo. Já tinham reivindicações, dentre elas a principal: duas caminhonetes cabine dupla com tração nas quatro rodas movidas a diesel. Claro... ia me esquecendo dos dois barcos de alumínio sem rebites, com motor de 40 HP e capacidade para umas 15 pessoas. Também pediram rifles com munição suficiente (para caça... ou para protegê-los de invasões?).

Mais um dado: na aldeia avistamos várias antenas parabólicas (não assisti o jogo do Brasil contra a China na Copa do Mundo, pois o cacique marcou reunião na hora do jogo, apesar de grande parte dos índios estarem assistindo ao jogo em suas televisões), três carros novos (uma caminhonete Nissan, um Polo e um Bora) e um micro-ônibus novinho. Canoas??? Não, não vi canoas...

Felizmente estamos acertando as coisas com a FUNAI com um pouco mais de bom senso, criando, por exemplo, um sistema de monitoramento da área através de satélite através de GPS e sistemas de geoprocessamento. Mas ainda acho que doaremos os barcos. Tudo bem...

Os índios são espertos. Tão espertos como qualquer homem branco, negro ou amarelo que procura tirar vantagens de certas situações. No caso deles procuram tirar vantagem da tutela do Estado e de empresas que os circundam. Muito dinheiro entra nesta Terra Indígena pela Companhia Vale do Rio Doce e pela Eletronorte que, respectivamante, atravessam a área com uma linha férrea e duas linhas de transmissão de energia.

É possível que alguém esteja pensando que odeio os índios. Não é verdade. Acho até que têm o direito de ter carros, TVs, computadores... Por que não? Afinal, esta aldeia está colada à cidade de Marabá que desperta alguns sonhos de consumo. Agora querer continuar sendo os tutelados do Estado? Vocês sabiam que há algumas semanas atrás índios de uma outra aldeia próxima invadiram a Vale do Rio Doce exigindo que a empresa quitasse uma dívida dos índios na praça de meio milhão de reais? A Vale pagou...Vai ver que é assim que funciona. Vamos meter dinheiro nas aldeias e preservar a cultura indígena...

Não temos que sentir culpa pelo passado. Realmente foi errado o que fizemos com a população indígena que habitava este país, mas agora já foi. Lembram da Inês? Morreu... Inês é morta. Acho que devemos preservar aquelas aldeias que não tiveram contato com a civilização moderna. Segundo a pessoa da FUNAI com quem conversei, estima-se que existam umas 30 no Brasil. Mais que isso, devemos dar mais atenção à pobreza que vemos ao nosso lado. Os índios favelados de Parelheiros em São Paulo agradecem...

P.S.: Dessa vez recusei o convite para participar de mais um Programa de Índio.


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